PAIS

– Maria Helena, acorda, Maria Helena!

– Hmmm…

– Maria Helena! Acorda!

– Aspargos azuis sobre o Berlusconi de saia…

– Maria Heleee-ná!

– Que… Que foi? Quem morreu, Ernesto?

– Eu preciso saber, Maria Helena.

– De novo? Já disse que foi num final de semana em Búzios, você tava em São Paulo, o cara foi se chegando, eu tava meio bêbada…

– Não, você acha que eu ia acordar você às quatro da manhã por uma idiotice dessas? Tô falando do terceiro verso. Qual é o terceiro verso da música do coelhinho?

– Que coelhinho, Ernesto?

– O de olhos vermelhos e dentes branquinhos.

– Eu não acredito nisso. Eu disse que você tava ouvindo demais os disquinhos da Marina, que tava esquecendo de ouvir outras coisas além de música de criança, mas você não me escuta. Aliás, você nunca me es…

(CANTANDO) “De olhos vermelhos, de dentes branquinhos…” E o resto? Fala o resto.

– “De olhos vermelhos e dentes branquinhos” é uma boa descrição de você chegando bêbado do bar. A música é “de olhos vermelhos e pelos branquinhos”.

– Pelos, isso, pelos. E em seguida?

– E em seguida eu vou dormir. Tenha paciência. Se ainda fosse a música do sapo que não lava o pé.

– Você não me venha com ironias sobre a música do sapo que não lava o pé. Aquilo é Nietzsche. Nietzsche puro, Maria Helena. É o desejo versus o imperativo moral. O sapo mora na lagoa, mas não lava o pé. E por quê? Porque não quer. Ponto para o sapo. O sapo é um herói existencialista, Maria Helena.

– Taí, sempre achei que o sapo parecia Sartre. Aqueles olhos esbugalhadões, a não adesão ao banho…

– Não brinca que eu tou falando sério. Veja o caso da aranha que sobe pela parede, por exemplo. Passa chuva e sol, mas “ela é teimosa e desobediente, sobe, sobe, sobe e nunca está contente.” Agora me diga se isso não é Prometeu? Ahn, ahn? Ésquilo. Ésquilo puro.

– Você precisa parar de ouvir esses disquinhos da Marina, Ernesto. É sério. A coisa tá chegando num ponto que…

– Passos.

– Ai, meu Deus! Na escada? É ladrão!

(CANTANDO) “De passos ligeiros, eu sou o coelhinho. Sou muito assustado, porém sou guloso, por uma cenoura, eu fico manhoso.” Lembrei. Lembrei o resto da música.

– Ótimo! Satisfeito agora? Ou vai querer estabelecer uma ligação entre a música do coelhinho e a primeira expedição de Martim Afonso de Sousa?

– Boa noite, Maria Helena.

– Que foi, ué? Tá irritado por quê? Não era o que você queria?

– “Comi uma cenoura com casca e tudo, tão grande ela era, fiquei barrigudo”. Pff. Cá pra nós! Esse coelhinho era um baita de um pequeno-burguês, Maria Helena. Vamos dormir.

LEIA TAMBÉM: Filhos e Noivado.

4 Comentários

  1. Ahahahaha, ser pai faz isso com as pessoas (com você, no caso).
    rsrsrsrs

  2. AUHAUHAUHAUHA

  3. Marconi, muito boas suas crônicas. Você tinha que nos presentear com mais frequência.

    São “o meu tipo”. De verdade, dá uma olhado no http://www.abicicleta.com.br para vc ver.

    Abs,

    Alexandre

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